“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.” Não, este não é um resumo da célebre obra de Kafka, mas talvez hoje a compreendo melhor... Aos treze anos A Metamorfose, talvez uma obra completamente estranha ao que eu estava habituado a ler, um autor que nunca tinha ouvido falar, possa ter passado despercebida, possa ter sido apenas a história de um homem que se transforma em um inseto, inseto este que outra vez o autor não tem o menor interesse de dizer qual é. Mas isto não importa...
O grande questionamento que nos fazemos é: em que estamos nos transformando? Já se perguntou se, assim como Samsa, pode acordar numa bela manhã metamorfoseado como outra pessoa? Se na literatura essa transformação é possível, na vida real ela também se faz presente? Ao analisar nossas vidas, um sentimento de nostalgia logo nos cerca, a lembrança de um passado bom, de algo feito ou não feito. E logo desenhamos a nossa linha cronológica imaginária, até chegarmos à situação que nos encontramos hoje, estamos onde nos imaginávamos?
O mais interessante da vida é que ela é uma obra aberta, assim como as novelas, que se permitem eliminar personagens ruins, dar um melhor rumo ao personagem A ou B, mas novelas são gravadas, o que vai ao ar é o produto final perfeito. A nossa vida então pode ser comparada como uma grande novela encenada num tablado ao vivo, igual às antigas peças de teatro gregas que eram exibidas em grandes arenas, nós somos as personagens principais jogados nas arenas com os leões. O diferencial é que nesta peça permitem-se falhas, depois de muito ensaio aprendemos a lidar com essas falhas e com sabedoria chegamos a evitá-las. Nos questionamos, o que fiz? O que deixei de fazer?
Aos 26 anos Orson Welles dirigiu Cidadão Kane, obra-prima do cinema, considerado o maior filme de todos os tempos, aos 29 o próprio Kafka escreveu a sua célebre obra em questão. O que eu fiz até hoje? Não importa se dirigimos grandes obras cinematográficas, ou se nos solidificamos como grandes teóricos, se em nada houver felicidade de nada terá adiantado. O importante não foi o que conseguimos fazer até hoje, mas sim se até o presente momento conseguimos ser felizes.
A metamorfose que acometeu Gregor Samsa fez com que todos ao seu redor também mudassem suas atitudes, Samsa surge como uma grande metáfora para o rompimento desta alienação do comodismo, seu fim trágico é uma alerta de que às vezes resolvemos agir tarde. Uma laranja incrustada em nossa carapaça pode nos levar a morte! “Antes de tudo, mais nada”, o importante é ser feliz e sentir prazer em tudo aquilo que se realiza, é preferível ser esta grande metamorfose ambulante a ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Salve Raul!
Quebre as regras, não siga roteiros e permita-se ao improviso com sabedoria, nós somos seres em constante mutação, o mesmo que se maravilhou com a conquista espacial e o mesmo que se aterroriza com as desgraças da humanidade, produzida por aqueles que se acham no direito de poder e querer mais. As transformações são necessárias e fundamentais, mude sem perder a sua essência, “sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar” C.Lispector